Uso do plástico na agricultura protegida

A produção de hortaliças é uma alternativa atraente para o produtor rural em termos de geração de renda, embora seja reconhecidamente uma atividade de maior risco do que outros tipos de cultivos, principalmente pela maior vulnerabilidade a problemas de fitossanidade, desordens fisiológicas e condições climáticas. Além dos efeitos deletérios sobre a produção, a qualidade do produto pode também ser comprometida.

O poeta brasileiro Ferreira Gullar, refletindo sobre a vida humana, pergunta-se em uma entrevista, “O que faz o homem sobre a Terra? Luta para neutralizar o acaso. Eis a principal necessidade humana: driblar o imprevisível…” A agricultura não almeja outra coisa, como atividade eminentemente humana, se não driblar o imprevisível.

O objetivo da agricultura é e tem sido, há milhares de anos, produzir de forma confiável alimentos, fibras e combustíveis para a humanidade.  A forma como se garante este “confiável” tem evoluído ao longo de toda história da agricultura, mas basicamente o que se procura sempre é tornar as condições no ambiente agrícola o mais próximas possível às necessidades das espécies cultivadas: se o solo é duro, gradeia-se e ara-se, se é pobre, aduba-se, se falta água, irriga-se, se há pragas, combate-se. Basicamente, o que o homem almeja com a agricultura é prevenir ao máximo a atuação do acaso, das intempéries, de organismos indesejados, sobre a produção de energia, fibra e alimentos.

O cultivo de hortaliças sob ambiente protegido pode ser considerado um passo adiante na tendência de se manejar o ambiente do agroecossistema visando minimizar as condições potencialmente estressantes que pudessem comprometer a produção agrícola. Além de melhorar o controle sobre disponibilização de nutrientes e água e de prevenção ao ataque de pragas e patógenos, o cultivo protegido introduz algum controle também sobre o microclima ao modificar mais ou menos drasticamente a temperatura, a umidade e a luminosidade.

Uma das principais finalidades do cultivo protegido moderno é o plantio das culturas, normalmente hortaliças, em períodos (ou locais) em que as condições climáticas não são adequadas ao cultivo não protegido. Nestes períodos, a oferta dos produtos no mercado é mais baixa e sua cotação mais elevada. Além das questões climáticas e mercadológicas, o plantio de hortaliças em ambientes protegidos pode evitar ataques de pragas e patógenos, reduzindo a aplicação de produtos químicos biocidas, embora no cultivo em solo a incidência de doenças possa ainda ser um problema se práticas culturais tais como a rotação de culturas não forem convenientemente adotadas.

Chegando ao Brasil, o sistema se adaptou às condições das diferentes regiões do país – embora no Sul o objetivo da utilização do ambiente protegido seja mais ou menos semelhante ao do Hemisfério Norte, ou seja, possibilitar o cultivo durante os meses frios de inverno, nas regiões mais tropicalizadas o objetivo é em geral proteger as hortaliças contra a chuva.

Cultivo Protegido ou Plasticultura?

Agricultura protegida e plasticultura são a mesma coisa? Nas regiões tropicais, como o Brasil, sim. O cultivo sob ambiente protegido surgiu no norte da Europa, no século XVII, com as orangeries, construídas por grandes Casas aristocráticas com o objetivo de ter, no clima frio setentrional, disponibilidade das doces frutas tropicais ou subtropicais, como as laranjas, que deram nome às estruturas. Eram feitas de vidro que, ao capturar a radiação infravermelha no interior das estruturas, criavam o efeito estufa e permitiam calor suficiente para se cultivar. Isso deu origem à ainda hoje florescente agricultura protegida de países como a Holanda.

Dois fatores foram essenciais para o avanço do cultivo protegido em escala comercial no mundo e, particularmente, nos trópicos. O primeiro foi o entendimento dasnecessidades nutricionais das plantas e as formas sob as quais os nutrientes são absorvidos – isso tornou possível técnicas como a fertirrigação e a hidroponia. O segundo fator foi o desenvolvimento, na década de 30 do século XX, de filmes de polietileno, possibilitando a substituição do vidro pelo plástico.

Em 1948, o Professor  Emery Myers Emmert, da University of Kentucky, usou pela primeira vez um filme de polietileno como cobertura de uma estufa, em substituição ao vidro. O advento do polietileno de baixa densidade substituindo o vidro possibilitou, por sua vez, o surgimento e a adoção crescente da agricultura em ambiente protegido nos trópicos. O plástico ainda permite a criação do efeito estufa, mas em menor intensidade do que o vidro. Nas regiões mais quentes e úmidas do mundo, a agricultura protegida é realizada por outras razões que simplesmente a proteção contra o frio. Aqui, o objetivo é proteger as culturas, principalmente hortaliças e ornamentais, da chuva, do vento, da luminosidade excessiva, das pragas e doenças.

Em grande parte do Brasil, a chuva em excesso é grande inimiga da produção de hortaliças. É necessário lembrar que nesse tipo de produção, o que conta não é apenas a quantidade produzida, mas também a qualidade, inclusive visual, do que se produz. As intempéries, assim como insetos e microrganismos, podem afetar negativamente a qualidade física e organoléptica das hortaliças.

Tanto sob estruturas protegidas quanto em campo aberto, a utilização de mulches plásticos tem aumentado. O objetivo principal é o controle de plantas invasoras – com a cada vez mais intensa urbanização da população brasileira, falta gente para trabalhar no campo e soluções que demandem pouca mão de obra têm ganhado popularidade. A cobertura plástica sobre o solo impede o crescimento das espécies invasoras ao impedirem que a luz do sol chegue às mesmas e ao mesmo tempo em que diminui a necessidade de mão de obra, previnem o uso de herbicidas. Vale ressaltar ainda que essas coberturas podem auxiliar na economia de água, diminuir as variações de temperatura e até mesmo ajudar a controlar insetos praga, visto que plásticos de cor branca parecem confundir os insetos e impedir que cheguem às plantas cultivadas.

Fertirrigação

Além das coberturas, a utilização de plásticos na produção de hortaliças e flores sob ambiente protegido tem sido abundante também nos materiais de irrigação – canos, bombas injetoras e dosadoras, tubos gotejadores, microaspersores. A utilização generalizada de técnicas de irrigação localizada, como gotejamento e microaspersão, é hoje possível pela utilização de materiais plásticos. Chama-se localizada porque a aplicação da água é feita muito próxima às raízes da cultura, aumentando a eficiência da irrigação, reduzindo as perdas e levando a uma imensa economia de água. A agricultura é grande consumidora de água e, em algumas regiões, tem competido com o uso urbano por esse recurso. Tecnologias que aumentem a eficiência no uso da água se tornarão cada vez mais demandadas.

Além da aplicação de fertilizantes convencionais ao solo, em algumas culturas, principalmente hortaliças, a adubação de plantio pode ser complementada pela aplicação de fertilizantes solúveis dissolvidos na água de irrigação – esta técnica se chama de fertirrigação. No cultivo em substrato, também chamado de semi-hidropônico, a totalidade das adubações pode ser feita via fertirrigação, sem necessidade de uma adubação de plantio.

Uma das vantagens óbvias da fertirrigação é a possibilidade de se subdividir a adubação ao longo do ciclo da cultura visando otimizar a utilização dos nutrientes pelas espécies agrícolas ao disponibilizá-los no momento mais adequado. Por momento adequado, refiro-me à cronometragem de acordo com as necessidades fisiológicas da espécie.

A aplicação de fertilizantes solúveis junto à água de irrigação visa então prover os nutrientes certos, nas quantidades corretas, o mais próximo possível ao estádio fisiológico em que o nutriente é mais necessário. Isto só é possível se houver disponibilidade de informação quanto à curva ou marcha de absorção de nutrientes da espécie cultivada em questão, nem sempre disponível para as condições brasileiras.

Em comparação com a adubação convencional, a fertirrigação permite ajustes finos de acordo com as fases de desenvolvimento das plantas, melhorando a eficiência no uso de fertilizantes ao minimizar as perdas. Se o método de irrigação utilizado for localizado, como o gotejamento, por exemplo, a economia de fertilizantes pode ser vantajosamente associada à economia de água.

Menor impacto ambiental

Apesar de todas as vantagens que um material adaptável como o plástico confere, é inegável que há um impacto ambiental em seu uso e principalmente em seu descarte. A preocupação se torna mais e mais relevante tendo-se em vista que, na agricultura protegida, utiliza-se materiais plásticos praticamente do plantio à colheita e que a área ocupada por este tipo de agricultura tende a crescer, com as estimativas para o Brasil já se aproximando dos 25.000 hectares.

Há necessidade de mais pesquisas quanto à utilização de plásticos ambientalmente mais amigáveis, com maior facilidade de biodegradação, com menos contaminantes, orgânicos e inorgânicos, talvez feitos a partir de materiais alternativos, como a cana de açúcar. A tendência da agricultura é crescer, principalmente ao redor de grandes centros urbanos. Essa tendência hoje é vista com esperança, pois pode significar uma redução das ainda grandes perdas, principalmente de hortaliças, já que diminuirão as distâncias entre os locais de produção e os de consumo. Obviamente, essa maior aproximação não deve criar mais um problema ambiental para o meio urbano na forma de toneladas de plástico a serem descartadas.

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