Por que os agricultores usam agrotóxicos?

Nossa época gosta de julgar, de apontar o dedo e classificar de forma taxativa: isso é bom, aquilo é mau. Como se não houvesse meios-termos. Nem preciso dizer o quanto essa atitude contribuiu para o estado atual das disputas ideológicas – não há possibilidade de diálogo porque cada “lado” considera o outro a representação do mau. A isso se chama maniqueísmo. Julgamentos maniqueístas têm sido feitos sem escrúpulo em relação ao que se convencionou denominar de “agricultores convencionais”.

Esses agricultores são acusados de “envenenar a mesa do brasileiro”, de colocarem o lucro acima de qualquer coisa, de agirem inescrupulosamente contra a saúde e o meio-ambiente. O que há de verdade nisso? Pergunto-me se os acusadores já pararam seriamente para refletir sobre o que leva um agricultor a usar agrotóxicos em sua lavoura. Gostaria de analisar cuidadosamente algumas dessas acusações e tentar elevar um pouco o diálogo, fugir do maniqueísmo dos bordões ideológicos que matam a reflexão no berço, impedem o pensar sem preconceitos e pré-concepções. Focarei a produção de hortaliças, grupo de culturas com que trabalho há mais de uma década e um dos alvos preferidos dos juízes da moral e dos bons costumes.

Antes de tudo, gostaria de deixar claro sobre o que estou falando quando me refiro a agrotóxicos, usando a definição do livro Agricultura: Fatos e Mitos. Para os autores do livro, agrotóxicos são “produtos químicos utilizados no controle de pragas agrícolas”. Pois bem, isso talvez ainda não seja suficiente. Afinal, o que são pragas agrícolas? De maneira geral, são organismos que, de alguma forma, impactam negativamente a produtividade ou a qualidade dos cultivos. Refere-se esse termo quase invariavelmente a plantas espontâneas, artrópodes (insetos, ácaros) e microrganismos que, para sobreviver, competem com as plantas cultivadas por recursos ou usam estas plantas como alimento.

Ora, o agricultor é um trabalhador que sobrevive às custas do que produz – se é um produtor de tomates, ele depende da produção e da venda de tomates para seu sustento. “Jogou” seu dinheiro no solo na forma de sementes, adubos, irrigação, tratos culturais e espera um retorno daí a alguns meses. O plantio é seu investimento e a colheita o retorno. Qualquer investidor ao ver seu investimento ameaçado tomará as medidas necessárias para protegê-lo. Ao detectar uma lagarta se alimentando dos frutos do tomateiro, é natural que o agricultor veja nisso uma ameaça a seu sustento e tome as medidas necessárias para salvaguardá-lo – ou não é? Então deixemos esse pensamento de que o agricultor é um agente do mal cuja intenção é “envenenar a mesa do brasileiro”. Essa frase é manipulação descarada.

Os agrotóxicos não são produzidos pelos agricultores nem distribuídos gratuitamente pelas empresas que os produzem. São produtos caros, representam uma porcentagem considerável do custo de produção para o agricultor. O produtor rural não “gosta” de aplicar agrotóxicos, ele se sente obrigado a isso ao detectar uma ameaça ao seu investimento. Vejam bem, não estou dizendo que a aplicação de agrotóxicos seja a única ação possível, mas para muitos produtores, é a única que conhecem. Ao saber-se doente, uma pessoa normal não toma remédio porque “gosta”, mas porque precisa. A afirmação de que o produtor usa agrotóxicos porque põe o lucro acima de qualquer outra consideração seria análogo a se dizer que um dono de casa põe sua propriedade acima da liberdade ao chamar a polícia quando vê um ladrão arrombando sua porta.

Não sou um entusiasta dos agrotóxicos, preferiria que não fossem necessários. O uso excessivo ou inadequado existe. Minha opinião é de que o mal-uso se deve muito mais ao despreparo e à desinformação. O produtor rural, principalmente o pequeno, carece de assistência técnica de qualidade, principalmente porque em fins da década de 80 do século passado resolveu-se transferir a responsabilidade da assistência técnica e extensão rural públicas da União para os Estados. A maior parte do impacto ambiental negativo da agricultura se deve a isso, mas nunca vi Bela Gil clamando por uma extensão rural de qualidade para os produtores de hortaliças.

Apesar de o Brasil ser considerado uma superpotência agrícola e de a agricultura ter tido nos últimos anos uma importância tremenda em nossa balança comercial, as discussões públicas sobre a agricultura no país são quase invariavelmente superficiais e preconceituosas. A agricultura, por aqui, quando se “discute” é de forma em geral maniqueísta, de acordo com a preferência ideológica de quem discute, e geralmente quem tem audiência suficiente para ser ouvido tem agenda ideológica mais do que enviesada. Ou a agricultura é vilã ou é a salvadora da pátria. Discussões de pequena profundidade e destinada aos horários de menor audiência dos meios de comunicação. Damos importância a outras coisas.

Há um temeroso divórcio entre a população urbana e a prática agrícola, como se uma não influenciasse a outra. Não discutimos a sério a questão do uso excessivo ou inadequado de agrotóxicos, por exemplo, e suas causas. Nunca questionamos a pressão exercida pelas exigências do mercado urbano sobre as decisões tomadas pelos agricultores. Alguém está se perguntando o quanto de agrotóxicos é necessário para se conseguir a fruta ou hortaliça esteticamente perfeita que se procura nas prateleiras de supermercados?

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