Algumas pessoas me fizeram recentemente essa pergunta e inicialmente não entendi bem a lógica por trás. Por que uma hortaliça hidropônica seria mais “artificial” que hortaliças produzidas em outros sistemas de produção? O que significa o termo “artificial”, para começar? Segundo o dicionário, artificial é qualquer coisa “produzida pela mão do homem, não pela natureza”. Ora, nessa definição acredito que entraria qualquer produto agrícola, qualquer hortaliça resultante da prática da agricultura, independente do sistema de produção utilizado. Só não se classificaria aí produtos resultado de coleta do que é produzido espontaneamente na natureza, mas desde há pelo 12 mil anos, quando a agricultura surgiu na Revolução Neolítica, a maior parte da humanidade deixou o estilo de vida caçador-coletor.
Bem, já que qualquer hortaliça cultivada pela mão do homem seria igualmente artificial, permanece a pergunta de por que as hortaliças hidropônicas seriam mais artificiais. Será por que são cultivadas sem solo? Isso significaria que as espécies de plantas pioneiras que colonizam rochas e outros materiais minerais são também artificiais. Vale dizer que os solos propriamente ditos se formam a partir da ação dos organismos sobre as rochas. A rocha decomposta só passa a ser realmente solo a partir da incorporação da matéria orgânica dos organismos mortos sobre ela. Isso não quer dizer que as plantas que ali cresciam antes não fossem naturais, ou quer?
Plantas epífitas, como as orquídeas e as bromélias, crescem sobre outras plantas e não sobre solo, seu substrato de sustentação são os galhos e troncos, compostos de celulose, hemicelulose e lignina, principalmente. Hortaliças cultivadas sobre substratos orgânicos, como fibra de coco e turfa, são também consideradas hidropônicas. Esses substratos orgânicos são compostos principalmente por celulose, hemiceluloses e lignina – então porque seriam mais artificiais do que as plantas epífitas?
Há aqueles que imputam a artificialidade dos cultivos hidropônicos ao uso de soluções nutritivas elaboradas usando-se fertilizantes minerais. Os fertilizantes são produtos que levam às plantas os nutrientes minerais essenciais para o crescimento e a produção. A maior parte destes fertilizantes provem de minérios que recebem algum tipo de tratamento para tornar os nutrientes mais disponíveis às plantas. Os fertilizantes em geral são sais, como o sulfato de potássio, o qual contém dois nutrientes essenciais, o enxofre e o potássio. A única diferença entre os fertilizantes convencionais e os hidropônicos é que os hidropônicos são mais puros e mais solúveis. Como os fertilizantes usados na hidroponia e os utilizados na agricultura convencional que alimenta a maior parte da população mundial são os mesmos, não há como defender a tese de que a hortaliça hidropônica seja mais ou menos artificial do que a hortaliça da agricultura convencional.
Naturalmente há a comparação com os produtos agrícolas produzidos em sistemas de produção ditos orgânicos ou biológicos, os quais utilizam fontes orgânicas de nutrientes para as plantas. Em 2015 visitei na Coreia do Sul uma estufa de produção de pimentões que o pesquisador que me guiava chamou de orgânica. Fiquei confuso quando vi vários bags de fertilizantes hidropônicos minerais e perguntei ao meu anfitrião por que ele havia me dito que aquela produção era orgânica se estavam usando fertilizantes hidropônicos convencionais e achei sua resposta de um pragmatismo genial: “o nutriente que a planta absorve está na mesma forma química, independente se a fonte era mineral ou orgânica, a produção orgânica para nós é a que não usa agrotóxicos.”
E o velho agrônomo estava corretíssimo, como sabe qualquer um que tenha estudado a fisiologia da nutrição de plantas. Para que as plantas possam absorver os nutrientes presentes na matéria orgânica, esta deve ser antes mineralizada. A matéria orgânica, claro, tem outras funções importantíssimas no solo, como a de sustentar a microbiota diversa e a manutenção da estrutura do solo, mas isso ainda não sustenta a tese de que o uso de fontes orgânicas de nutrientes torne uma hortaliça hidropônica mais ou menos artificial que uma hortaliça orgânica.
Por fim, há a questão da qualidade nutricional das hortaliças hidropônicas. Li recentemente no livro Technically Food, da jornalista Larissa Zimberoff, argumentos a favor da maior qualidade nutricional de hortaliças orgânicas porque estas conteriam maiores concentrações de nutrientes como ácido salicílico, fenóis e polifenóis. Estes compostos têm um papel antioxidante importante tanto nas plantas quanto nos humanos que as consomem. Realmente não acho improvável que as hortaliças orgânicas tenham teores maiores desses nutrientes do que as hortaliças hidropônicas.
Esses nutrientes, assim como outros com papel de defesa nas plantas, são chamados de metabólitos secundários e estão geralmente presentes em maiores concentrações em plantas expostas a fatores ambientais estressantes dos quais as plantas precisam se defender. Como as hortaliças hidropônicas são invariavelmente cultivadas em estufas, fisicamente protegidas de pragas e patógenos, com suprimento adequado de água e nutrientes, ou seja, como elas estão naturalmente protegidas, não surpreende que tenham menores concentrações de compostos de defesa. Por outro lado, as hortaliças hidropônicas são nutridas usando-se soluções nutritivas contendo todos os nutrientes essenciais às plantas e nas concentrações requeridas por elas. Nutrientes como ferro (Fe) e zinco (Zn), cuja deficiência, conhecida como fome oculta, afeta milhões de pessoas no mundo. A adubação de hortaliças em campo, seja convencional ou orgânica, dificilmente será tão completa quanto a adubação feita nas hortaliças hidropônicas. É uma pena que Zimberoff não tenha comentado isso em seu livro.
A dicotomia produto hidropônico versus produto orgânico não tem nenhuma utilidade e, como geralmente ocorre nesse tipo de comparação, tem muito mais de ideologia do que de ciência. Não existe, na verdade, uma batalha para determinar qual será a “agricultura do futuro”. A agricultura do futuro, como a de hoje, deverá ser diversa, focada em sustentabilidade e qualidade nutricional.