Há um encanto com as promessas e perspectivas da agricultura indoors. Os entusiastas acreditam que a tecnologia resolverá tudo e que será facilmente possível produzir qualquer coisa com LEDs e ar condicionado. Já ouvi gente dizendo que o sucesso de uma fazenda vertical ou de uma fábrica de plantas depende apenas do grau de automação, do tipo de LED, do desumidificador, da bandeja de cultivo. Claro que a tecnologia é um componente importantíssimo e um diferencial deste tipo de cultivo. Na verdade, reconheço que apenas os avanços tecnológicos recentes em sensoriamento, controle ambiental, automação, iluminação tornaram possível esse florescimento da agricultura em ambiente controlado. Mas usando uma analogia com os computadores, essa tecnologia corresponde apenas ao hardware. Pouca gente tem falado no software, nas informações que porão a coisa para rodar. Esse software são os sistemas de produção.
Eu avalio que há realmente muitos avanços nas tecnologias sendo usadas, mas plantas serão sempre plantas e as questões ligadas à produção vegetal, independentemente se em campo aberto em uma fazenda vertical, continuam sendo questões agronômicas. Existem formas de se produzir, de se manejar as plantas para que extraiam o máximo do ambiente e traduzam isso em produção. Estas formas de produzir, equivalente a um algoritmo ou a um software, se chamam sistemas de produção. Boa parte dos resultados de pesquisa da Embrapa, por exemplo, são sistemas de produção. Assim como os sistemas operacionais que permitem que nossos computadores funcionem, os sistemas de produção que permitem o funcionamento da produção agrícola passam despercebidos. Muita gente que utiliza sistemas de produção ou componentes destes produzidos pela Embrapa costuma criticar a instituição porque “não entrega resultados”. Ao contrário de sementes e maquinário, ninguém vê o sistema de produção.
Os sistemas de produção são os conjuntos de instruções de como deve ser conduzido um plantio. O cultivo hidropônico é um sistema de produção, o plantio direto, o cultivo orgânico, a produção integrada. Engana-se quem acha que é possível produzir sem essas instruções, sem os sistemas produtivos. A tecnologia dará resultados se acompanhada de um sistema de produção compatível. Seria uma incoerência, por exemplo, a utilização de solo em uma fazenda vertical. Para este tipo de empreendimento, está claro que os sistemas de produção sem solo, como a hidroponia ou a aeroponia, são mais adequados. O manejo da nutrição das plantas em um sistema hidropônico é muito diferente do manejo da nutrição em solo. O manejo do solo em ambiente protegido difere muito do manejo do solo em campo aberto.
Boa parte dos insucessos de empreendimentos de produção de alimentos vem do uso de sistemas de produção inadequados. A salinização do solo, problema muito comum em ambiente protegido, quase invariavelmente provem da utilização de práticas de manejo da adubação desenvolvidas para o cultivo em campo aberto.
Equívocos análogos têm ocorrido também nesta fase pioneira do cultivo em ambiente controlado. Resultados aquém do esperado têm sido conseguidos em razão da recalcitrância em se utilizar o enriquecimento da atmosfera com CO2. Em campo aberto é raro que o CO2 seja uma preocupação, um fator limitante à produção. Pelo contrário, a concentração de CO2, um dos principais gases de efeito estufa, tem aumentado consistentemente nas últimas décadas: há uma fonte inesgotável deste gás para a fotossíntese. Em um ambiente fechado em que a substituição do volume de ar é lento ou parcial, os níveis de CO2 podem cair rapidamente e se tornar um fator limitante à fotossíntese e, consequentemente, à produção de alimentos. Obviamente, o manejo do CO2 como um insumo passa a ser um componente importante nos sistemas de produção em ambiente controlado.
Mesmo as práticas já estabelecidas em um sistema de produção (ou em um determinado ambiente) podem precisar ser modificadas quando adotadas em outro. Dou o exemplo do manejo da solução nutritiva em sistemas hidropônicos. Em cultivos em estufa, a preocupação do produtor é acertar a condutividade elétrica à medida que as plantas se desenvolvem. Além do determinante planta, a única preocupação costuma ser a interação condutividade elétrica x temperatura. Em ambiente controlado, onde a iluminação é feita utilizando-se lâmpadas, há evidências fortes de que além do estágio de desenvolvimento e da temperatura, existe uma interação com a intensidade luminosa de lâmpadas tipo LED. O desconhecimento dessas especificidades, em outras palavras, o uso equivocado ou incompleto do sistema de produção, levará (e tem levado) a insucessos e descrença no sistema.